Em algum tempo da minha infância, eu estava com meus primos no lugar que eu mais amava no mundo: o quintal da casa da minha avó.
Entre o pé-de-acerola, flores das mais variadas, a bananeira e a "árvore das fadas", nos admirávamos as mangas suculentas no quintal vizinho.
Veja bem, não eram mangas quaisquer em um quintal qualquer. A casa ao lado era ocupada como uma escola infantil, e várias crianças brincavam ao redor da mangueira carregada - o que só tornava aquelas frutas nosso maior objeto de desejo.
Lembro que colocamos um balde ao lado do muro, nos apoiamos uns nos outros e, como num plano infalível do Cebolinha da Turma da Mônica, alcançamos uma manga.
Nosso momento de apreciação (e lambança, afinal era uma manga sendo dividido por três crianças) foi interrompido pelo som da campainha.
Gelamos. Corremos para a sala, bem quietos, enquanto minha avó atendia. Espiamos por uma das janelas, no que minha prima cochicha "É a Val, a dona da escola". Prendemos a respiração.
Observei como ela era linda. Cabelos longos, bem escuros, pele parda. Muito bem vestida. Elegante. Maquiada.
Minha vó nos chamou até o portão. De mais dadas e com toda a culpa pelo que tô vamos feito, fomos. Val simplesmente nos chamou até a diretoria da escolinha, que era a sala dela.
Quando chegamos, ela perguntou se estávamos tentando pegar uma manga da árvore do seu quintal. Assumimos que sim, segurando o choro, pedindo desculpa. E então, em vez do sermão, ela nos entregou uma sacola carregada de mangas. E sorriu.
Na minha mente de criança, aquela mulher reluziu. Que bonita! Que generosa! Que boazinha! Esperávamos uma bronca e ganhamos um presente. Agradecemos da melhor forma que conseguimos, respirando aliviados.
Foi um momento tão sublime o que sentamos no chão da sala, pegamos uma manga cada um, demos outra para minha vó, e nos deliciamos com aquela fruta tão desejada. Uma memória literalmente doce.
Alguns meses depois, soube que a Val havia falecido. Aquela mulher - aos meus olhos, encantadora, dona da escola, perfeita - desistiu da própria vida, de uma forma nada sutil. Fiquei muito tempo tentando entender por que. Hoje eu entendo. Mas é assunto para outro texto, se alguém estiver disposto a ler. Por hoje, fica a minha gratidão à Val. E minha singela contribuição amarela para esse setembro.