Aluguei e mobiliei um apartamento do zero. Fiz uma disciplina como aluna especial num mestrado. Comecei (e tranquei) uma segunda graduação. Fiz dois cursos de teatro. Comecei aula de canto. De dança do ventre - e até assisti a uma apresentação numa casa famosa. Instalei o Bumble. Desinstalei o Bumble. Repeti o ciclo algumas vezes também com Tinder, Happn, Inner Circle. Saí pela primeira vez com alguém da internet - e conheci alguns caras bem interessantes dessa forma. Comecei depilação a laser. Passei algumas semanas em hotéis. Fui ao cinema sozinha pela primeira vez. Entendi a magia de receber uma massagem profissional. Experimentei panetone salgado. Fiz uma tatuagem (!!!). Conheci outro estado do Brasil além de São Paulo (Pernambuco, coisa linda). Fiz luzes no cabelo. Comecei (e para minha própria surpresa, gostei de) treino funcional. Perdi 10 kg. Encomendei meu mapa astral. Recebi meus pais em casa para a ceia de Natal pela primeira vez, mesmo não morando com eles há seis anos.
Talvez pareça bastante coisa, talvez não. Listando tudo agora, para mim até que foi. Especialmente considerando que tudo isso aconteceu no último ano. Começo de março de 2021: eu não fazia ideia do que fazer, virando o segundo ano de pandemia em um isolamento rígido (e sendo criticada por isso), sem previsão de vacina. Preocupada com minha avó e meus pais expostos no trabalho. Processando o luto de um gatinho com a minha irmã. E o de um relacionamento de 8 anos. Saindo da casa recém-reformada na nova cidade. Pré-diabética, precisando de mudanças radicais na alimentação. Vendo amigas engravidando, amigos tendo Burnout, sendo internados ou perdendo entes queridos, se casando ou terminando, e sentindo a distância em não poder abraçá-los. Limbo talvez fosse a palavra que melhor definia aquele momento.
A questão é que essa sensação de estar perdida no espaço-tempo, desconectada da realidade a ponto de não sentir que encontrei meu lugar nela mas não tão distante a ponto de ainda poder fazer leitura labial e mimetizar papéis sociais (casa de vidro?), não era exatamente nova. Só minha terapeuta sabe quantas vezes já me senti assim na vida, embora talvez um ano atrás fosse a primeira vez em que isso era minimamente justificável.
E quem pode dizer que não estamos num limbo hoje mesmo? Afinal, teve Carnaval, tem dose de reforço, tem um simulacro da vida normal que um dia conhecemos, mas ainda tem Covid e gente morrendo por Covid. Ainda tem um boçal se dizendo nosso presidente. Ainda tem animal abandonado e criança carente e árvore sendo queimada. E, para ajudar, agora tem também guerra com soldados que mal sabiam que estavam indo pra linha de frente versus pessoas que estavam normalmente vivendo suas vidas sem qualquer interesse político além dos próprios círculos. E o reflexo chocante e escancarado de racismo, machismo e intolerância religiosa que nem um terraplanista consegue fingir não ver. E, ah, uma ameaça nuclear.
Desculpa. Sei que você não começou a ler esperando esse clima pesado - baixo astral, como aprendi com os nordestinos a falar. Enganei bem com o primeiro parágrafo, né? Foi mal. A verdade é que, como tudo que escrevo - vamos fingir que não abandonei esse hábito na última década - nunca sei como as palavras vão aparecer. Talvez escrever também seja se colocar num limbo, ainda que esse, de alguma forma, tenha algo de interessante.
Mas, ei, vamos aqui bancar a Poliana. Eu estava atravessando os dias mais difíceis da minha vida há pouco tempo e mesmo assim consegui realizar inúmeras coisas da minha bucket list - e, bem, também cometer umas loucuras que nunca estiveram previstas. Ou seja, mesmo os períodos desconhecidos apresentam boas possibilidades. Não se engane pensando que eu estava saltitando - foi tudo um grande ensaio para sair daquele limbo. E deu certo.
Seja qual for o momento que você esteja atravessando agora - um limbo ou um piquenique feliz à beira do próximo - desejo que você dê uma mão pro medo e a outra pra si mesmo e se leve para passear pelas pequenas vontades que surgirem. Resistir à inércia tem um efeito dolorosamente positivo, e você pode encontrar algumas boas surpresas no caminho. Bem, talvez não seja mesmo um limbo, after all.
“Escrever é como dirigir um carro numa estrada. A gente só vê até onde a luz dos faróis alcança, mas é possível fazer a viagem inteira dessa forma.”
E se posso adicionar algo a essa lucidez de E. L. Doctorow: também a vida.
O que eu tô descobrindo?
Conheci uma banda muito amorzinho essa semana, liderada por uma Korean-American chamada Michelle Zauner. A ironia é o nome: Japanese Breakfast. É um pop experimental bem docinho mas nem por isso boring.
Minha música favorita deles - Paprika - não tem clipe. Então, deixo vocês com a que tive o primeiro contato:
O que você tá sentindo?
Gostou do que leu? Odiou? Pensou em algo para comentar? Me escreve aí embaixo, vamos continuar dispersando.
E se achar que mais alguém pode se interessar também, aproveita e compartilha. Bora aumentar a rodinha.
Enfim, obrigada por me ler até aqui (sim, porque você não leu só um texto de qualidade duvidosa, mas também um pouco de mim). Espero que esses minutos de dispersão tenham valido a pena.
Um beijo e até a próxima,
Luane.
Fernando Neres AKA Malditovivant.
Legal te ler depois de anos, gostei como sua escrita amadureceu. E olha que você escreveu sobre Dráculas a anos atrás para mim.
Sobre a vida, é estranho pensar. Como a gente perdeu coisas no meio desse caminho. Sejam pessoas [Amigos, amores, família], hábitos, medos e tudo mais. Será que era isso que significava amadurecer?
Sobre aplicativos, as vezes é divertido.
Mas no fim durmo e acordo dilacerado pelo que eu perdi.
Boa sorte em tudo, e Panetone Salgado deve ser bem ruim
A vida é mesmo tão imprevisível, né? Achei bem bonita a maneira como você trouxe o entrelaçamento entre o limbo e o piquenique. Mãozinhas dadas! :)